REVISTA CIENTÍFICA IPEDSS: A CIÊNCIA A FAVOR DA SAÚDE E SOCIEDADE
ISSN 2764-4006
DOI 1055703
Volume 2. Número 4.
Petrolina, 2022.
TRATAMENTO COM LASER DIODO CIRÚRGICO DE MUCOCELES LABIAIS: SÉRIE DE CASOS
Nilson Emmanuel Gomes Pereira1, Sandra Aparecida Marinho2, Sérgio Henrique Gonçalves de Carvalho3, Pierre Andrade Pereira de Oliveira4, Dmitry José de Santana Sarmento5 e Gustavo Gomes Agripino6
Endereço correspondente: Sandra Aparecida Marinho – Araruna, PB- Brazil – E-mail: san_mar2000@yahoo.com.br
Submissão: 15 de Setembro, 2022 – Modificação: 10 de Novembro, 2022 – Aceito: 28 de Novembro, 2022
DOI: https://doi.org/10.55703/27644006020402
RESUMO
A mucocele é uma lesão benigna, resultante do fenômeno de extravasamento ou retenção de muco nos tecidos subjacentes às glândulas salivares menores. Acomete mais a região de lábio inferior e é bastante comum em jovens e crianças. Na maioria das vezes, há um trauma presente que desencadeia a mucocele, porém existem casos em que não há histórico de trauma associado. A abordagem terapêutica mais comum é a excisão cirúrgica local com bisturi, porém, nos casos relatados, foi utilizado o laser diodo cirúrgico, visando a obter uma cirurgia com menor sangramento, diminuição do edema local, melhor cicatrização e menor chance de recidiva. O objetivo deste trabalho foi apresentar uma série de três casos clínicos de remoção cirúrgica de mucocele em lábio inferior, utilizando o laser diodo cirúrgico.
Palavras-chave: Mucocele; Terapia a Laser; Cirurgia Bucal.
INTRODUÇÃO
Mucoceles são definidas como cavidades preenchidas com muco, que podem surgir na cavidade oral, seios paranasais ou saco lacrimal (1). A partir da sua etiologia, as mucoceles podem ser divididas em fenômenos de extravasamento ou de retenção de muco. Os fenômenos de extravasamento de muco são considerados pseudocistos, uma vez que não apresentam um revestimento epitelial. O muco extravasado induz uma reação inflamatória e granular a fim de conter o extravasamento (2). Já o fenômeno de retenção de muco induz a formação de sialocisto ou de um cisto verdadeiro de retenção de muco (3). A maioria se desenvolve a partir dos ductos de glândulas salivares maiores e possuem como fatores etiológicos a sialolitíase (cálculo salivar), as cicatrizes periductais ou os tumores invasivos (2).
O lábio inferior é o sítio mais comum de envolvimento da mucocele de extravasamento de muco. As mucoceles do lábio inferior geralmente são encontradas lateralmente à linha média (4). Clinicamente, a lesão é representada por uma vesícula contendo saliva em seu interior, de coloração semelhante à mucosa adjacente ou azulada, assintomática, podendo ultrapassar 10mm de diâmetro (3, 5).
Umas das opções de tratamento para a mucocele é a remoção por meio do laser cirúrgico de diodo. Terapias com laser apresentam uma série de benefícios para a prática odontológica, como excelente hemostasia, mínimo envolvimento de outros tecidos durante a cirurgia, não necessidade de sutura, redução do edema e cicatrização mais rápida (6).
Diante do exposto, o objetivo do presente estudo é relatar uma série de casos clínicos realizados na Clínica de Estomatologia Avançada da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Campus VIII, onde três pacientes foram diagnosticados e tratados com laser cirúrgico em suas respectivas mucoceles.
DESCRIÇÃO DOS CASOS
Caso 1: Paciente do sexo masculino, 20 anos, feoderma, compareceu à Clínica de Estomatologia Avançada da UEPB, Campus VIII, com queixa de mucocele no lábio inferior. Paciente relatou que a lesão apresentou crescimento lento, surgindo há cerca de três semanas e que há dois dias, apresentou aumento significativo, devido a trauma de mordida esporádico. O paciente não apresentou nenhuma alteração sistêmica digna de nota, nem uso de qualquer medicação. Ao exame físico, foi observada, em região de mucosa labial inferior esquerda, uma bolha flutuante à palpação, bem delimitada, de aproximadamente 1cm, de coloração eritematosa, com área ulcerada central, decorrente do trauma, apresentando sintomatologia dolorosa. Após anestesia infiltrativa, a biópsia excisional foi realizada com laser diodo cirúrgico (TheraLaserSurgery DMC®, DMC Equipamentos, São Carlos, SP) comprimento de onda 808nm, em modo contínuo, e potência de 2000mW. O espécime foi fixado em formol 10% e enviado para análise histopatológica, cujo resultado foi condizente com fenômeno de extravasamento de muco.
Na mesma sessão, também foi realizada a aplicação do laser diodo de baixa intensidade (Thera Lase DMC®, DMC Equipamentos, São Carlos, SP), comprimentos de onda de 660nm (vermelho) e de 808nm (infravermelho) e área de spot de 0,028cm. Com o laser vermelho (660nm), foi aplicado 0,5J de energia (20J/cm²), 40mW de potência, em quatro pontos circundantes à ferida cirúrgica, estimulando uma melhor cicatrização. Com o laser infravermelho (808nm), foi aplicado 2J de energia (80J/cm²), em quatro pontos, na potência de 100mW, em um protocolo de prevenção de edema.Após sete dias, foi constatada boa cicatrização e realizada a aplicação de mais uma sessão de laser com comprimento de onda vermelho (660nm), para acelerar a cicatrização, com aplicação em seis pontos de 0,5J de energia (20J/cm²), na potência de 40mW. Após 7 dias, foi constatada avançada cicatrização por segunda intenção, com retração da ferida cirúrgica e formação de membrana de fibrina (Figura 1).
Figura 1 – Aspectos clínicos do Caso 1. A) Aspecto inicial da lesão; B) Pós-operatório imediato; C) Pós-operatório de 7 dias, com cicatrização em segunda intenção.
Caso 2: Paciente do sexo masculino, 20 anos de idade, leucoderma, compareceu à Clínica de Estomatologia Avançada da UEPB, Campus VIII, com queixa de bolha labial. O paciente não apresentou nenhuma alteração sistêmica digna de nota, nem uso de medicação. Ao exame físico, foi observado que a região de mucosa labial inferior direita, apresentava uma bolha flutuante à palpação e bem delimitada, medindo aproximadamente 1cm. A biópsia excisional foi realizada com laser cirúrgico de diodo (TheraLaserSurgery DMC®, DMC Equipamentos, São Carlos, SP), comprimento de onda 808nm, em modo contínuo, com 2500mW de potência, após anestesia infiltrativa circunjacente à lesão. O procedimento foi realizado sem intercorrências e o espécime foi fixado em formol 10% e enviado para análise histopatológica, cujo laudo confirmou o diagnóstico clínico de mucocele. Após 7 dias do procedimento, foi verificado processo avançado de cicatrização por segunda intenção, com reparo completo observado no retorno de 15 dias (Figura 2).
Figura 2 – Aspectos clínicos do Caso 2. A) Aspecto inicial da lesão; B) Pós-operatório imediato; C) Pós-operatório de 7 dias; D) Pós-operatório de 15 dias, com total cicatrização.
Caso 3: Paciente do sexo feminino, 20 anos de idade, leucoderma, compareceu à Clínica de Estomatologia Avançada da UEPB, Campus VIII, com queixa de mucocele, de crescimento lento há aproximadamente um mês. A paciente não apresentou nenhuma alteração sistêmica digna de nota e não fazia uso de nenhuma medicação. Ao exame físico, foi observada, em região de mucosa labial inferior, do lado esquerdo, uma bolha flutuante à palpação e bem delimitada, com cerca de 1cm, sem presença de sintomatologia dolorosa. Após anestesia infiltrativa circunjacente à lesão, foi realizada biópsia excisional, utilizando o laser cirúrgico de diodo (TheraLaserSurgery, DMC®, DMC Equipamentos, São Carlos, SP), comprimento de onda de 808nm, em modo contínuo, com 2000mW de potência. A peça cirúrgica foi fixada em formol 10% e enviada para análise histopatológica, cujo resultado foi condizente com mucocele. Na mesma sessão, foi também realizada a aplicação do laser diodo de baixa intensidade, com intuito de biomodulação tecidual (Thera Lase DMC®, DMC Equipamentos, São Carlos, SP, Brasil), nos comprimentos de onda de 660nm (vermelho) e de 808nm (infravermelho), área de spot 0,028cm. Foi aplicado 0,5J de energia (20J/cm²), com 40mW de potência, com o laser vermelho, em seis pontos, circundando a ferida cirúrgica, estimulando melhor cicatrização. A aplicação do laser infravermelho (808nm, 100mW, 2J de energia- 80J/cm²) ocorreu em quatro pontos circundando a ferida. Após sete dias, foi constatada boa cicatrização e também realizada mais uma sessão de laser vermelho de baixa intensidade (40mW,0,5J de energia (20J/cm²), em seis pontos, para acelerar a cicatrização. Após 15 dias, foi constatada a cicatrização completa da ferida cirúrgica (Figura 3).
Figura 3 – Aspectos clínicos. A) Aspecto inicial da lesão; B) Pós-operatório imediato; C) Pós-operatório de sete dias; D) Pós-operatório de 15 dias, com cicatrização satisfatória.
Nos três casos, o aspecto histopatológico em lâminas coradas em HE evidenciou espaço mucoso delimitado por tecido conjuntivo fibrovascular, apresentando intensa reação de granulação, presença de macrófagos com citoplasma preenchido por material mucoso caracterizando macrófagos espumosos e parênquima glandular salivar com ácinos mucosos e ductos (Figura 4).
Figura 4 – Fotomicrografias evidenciando espaço delimitado por intensa reação de granulação: A, B e C – Casos 1, 2 e 3, respectivamente. D – Detalhe em maior aumento da reação de granulação, com macrófagos espumosos entre ductos glandulares.
Os três pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e os casos foram conduzidos respeitando-se todos os princípios bioéticos. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UEPB (CAAE: 64149922.4.0000.5187).
DISCUSSÃO
A mucocele é a segunda lesão mais comum na cavidade oral, seguida pela hiperplasia fibrosa inflamatória (7). Em casos de fenômenos de extravasamento de muco, a excisão cirúrgica da glândula salivar menor envolvida tem sido a principal opção terapêutica. No entanto, outras opções têm sido relatadas, como a marsupialização, micromarsupialização, criocirurgia e vaporização com o laser de CO2 (4).
Os três presentes casos relatados ocorreram em pacientes jovens, com 20 anos de idade, sendo dois homens e uma mulher. A mucocele pode surgir em qualquer idade, apesar de ser mais prevalente na faixa etária entre 10 e 29 anos, sem predominância por sexo (7, 8). Embora frequente em crianças e adolescentes, há poucos estudos referentes à mucocele nessa população (9).
Nos casos relatados, foi realizada a excisão das lesões, utilizando laser diodo cirúrgico. De acordo com uma revisão sistemática realizada por Sadiq et al. (10), o laser diodo constou na maioria dos artigos avaliados (10/17, 58,8%) para remoção de mucoceles em crianças, seguido pelos lasers de CO2 (5/17). A utilização do laser cirúrgico em tecidos moles tem como principais vantagens: diminuição do sangramento e menor tempo cirúrgico, sendo a sutura desnecessária, pela formação de um tampão curativo natural, decorrente de proteínas desnaturadas (11).
Como a região labial é bastante vascularizada, o laser cirúrgico apresenta a vantagem de promover um procedimento com sangramento mínimo, facilitando a cirurgia e diminuindo o tempo cirúrgico, o que também o indicaria para remoção de mucoceles em pacientes pediátricos (10). Abe et al. (2021) (12) relataram a remoção de três mucoceles em lábio inferior em uma criança de dois anos de idade, contudo, utilizaram bisturi convencional e suturaram. Os autores não relataram intercorrências, mas o manejo de uma criança de apenas dois anos de idade em um procedimento que engloba três cirurgias em uma mesma sessão, seguidas pela execução de suturas, deve ser realizado por um odontopediatra bastante competente. Diante disso, a não necessidade de sutura e a rapidez do procedimento, além da diminuição do edema pós-operatório (10) também tornam-se grandes vantagens na utilização do laser cirúrgico. Besbes et al. (13) também fizeram uso do laser cirúrgico em um paciente de 10 anos, que já havia sido submetido à remoção convencional da mucocele com bisturi e ocorreu recorrência da lesão. Assim como no presente caso, os autores utilizaram o laser diodo (980nm, 2W), sem recorrência da lesão até seis meses de pós-operatório. Já a aplicação adicional do laser de baixa intensidade, em dois dos presentes casos relatados, apresentou-se eficaz na biomodulação da cicatrização e reparo do tecido oral danificado e no controle da dor pós-operatória (8, 14).
Apesar de ter sido utilizado o laser cirúrgico de alta intensidade para realizar a excisão das mucoceles labiais nos casos relatados, é importante ressaltar a necessidade de avaliação e planejamento cirúrgicos bastante criteriosos, para que seja escolhida a melhor forma de tratamento para cada paciente individualmente, com análises da dimensão e localização da lesão. Em casos de acesso mais difícil, como assoalho bucal, deve-se optar pela técnica cirúrgica convencional (15). Devido ao fácil acesso das mucoceles labiais, o tratamento com laser nessa localização é mais indicado que o procedimento cirúrgico convencional, pois proporciona boa hemostasia, redução do edema e da dor pós-operatórios (11), além da desinfecção local, com redução da população bacteriana na ferida cirúrgica e cicatrização mais rápida. Além disso, os lasers cirúrgicos fornecem resultados satisfatórios, com baixas taxas de recidiva e são melhores tolerados pelos pacientes, pelo tempo operatório reduzido e facilidade da técnica (16).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar das várias alternativas de tratamento para mucoceles, o laser diodo cirúrgico apresenta-se como ótima opção em região labial inferior e outras áreas de localização mais acessíveis, em pacientes de todas as idades, proporcionando hemostasia, redução do edema, da taxa de recidiva e dispensando necessidade de sutura. O tratamento adicional com o laser diodo de baixa intensidade agrega melhorias ao pós-operatório, uma vez que atua no alívio da dor pós-operatória e na biomodulação das células inflamatórias, promovendo uma melhor cicatrização.
REFERÊNCIAS
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