REVISTA CIENTÍFICA IPEDSS: A CIÊNCIA A FAVOR DA SAÚDE E SOCIEDADE
ISSN 2764-4006
DOI 1055703
Volume 2. Número 3.
Petrolina, 2022.
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA MORTE E DO SUICÍDIO EM ADOLESCENTES: ESTUDO QUANTITATIVO
Rosa Maria Pereira Simões
Endereço correspondente: Rosa Maria Pereira Simões – Estr. Espírito Santo das Touregas – Coimbra – Portugal –
E-mail: rosasimoes18@gmail.com
Submissão: 22 de Setembro, 2022 – Aceito: 26 de Setembro, 2022
DOI: https://doi.org/10.55703/27644006020302
RESUMO
A presente investigação teve como objetivo conhecer as representações sociais da morte e do suicídio em adolescentes com comportamento suicidário. Consiste em um estudo exploratório descritivo de natureza quantitativa. Recurso ao questionário de suicídio juvenil. Os dados foram colhidos pela técnica de associação livre de palavras e a análise fatorial realizada com recurso ao software estatístico Stata® pela correlação tetracórica. Os adolescentes com comportamento suicidário, representam a morte como uma fuga aos problemas, com causa maioritariamente atribuída ao suicídio. Já o suicídio é representado como alívio, tendo como causalidade a angústia, medo, vazio, problemas interpessoais e bullying. Estas representações sociais dos adolescentes acerca da morte e do suicídio remetem para uma grande diversidade de significados e para uma causalidade multifatorial e complexa dos fenómenos. As estratégias de prevenção futuras devem centrar-se nas estratégias de resolução de problemas, no enfrentamento do sofrimento mental e na literacia em saúde mental.
Palavras-chave: Adolescentes; Morte; Prevenção Secundária; Suicídio; Pesquisa.
INTRODUÇÃO
O suicídio é um fenómeno complexo e multideterminado, devendo ser entendido numa dimensão biopsicossocial de causas múltiplas, em que os aspetos psíquicos, sociais, culturais e biológicos interagem variavelmente (1). Encontra-se entre as principais causas de morte potencialmente evitáveis, mas a previsão de comportamento suicidário continua entre as tarefas de prevenção mais desafiadoras e condicionantes (2-3). Do ponto de vista epidemiológico a nível mundial, na faixa etária dos 15 aos 19 anos o suicídio representa a segunda causa de morte, estando a primeira causa atribuída aos acidentes (2). Estes dados são condizentes com os dados obtidos para Portugal, sendo que no ano de 2018, a taxa de suicídio nos adolescentes dos 15 aos 24 anos foi de 2,6/100 mil habitantes (4).
A natureza repetitiva do fenómeno, torna-o como maior preditor de comportamentos futuros e de eventual morte por suicídio (5). As estimativas do risco de repetição no primeiro ano, após comportamento suicidário variam entre 5 e 15% ao ano, sendo que nos 9 anos após uma tentativa de suicídio cerca de 3 a 12% dos indivíduos terão morrido por suicídio (6). Ainda assim, estudos anteriores, confirmaram que apenas 10% a 20% dos adolescentes com comportamentos suicidários receberam algum tipo de tratamento subsequente (7).
Apesar dos dados epidemiológicos que atestam a gravidade deste problema de saúde pública, ainda não existem evidências científicas consensuais e abrangentes que comprovem a efetividade de intervenções psicoterapêuticas de prevenção da recorrência de comportamentos suicidários em adolescentes. Daí, ser necessário promover investigação mais aprofundada, que forneça orientações sobre intervenções sistematizadas e adaptadas a diferentes grupos de adolescentes (8-10). Desta forma é essencial melhorar a compreensão dos significados que os adolescentes com comportamento suicidário associam ao suicídio, e assim contribuir para o desenvolvimento de programas de prevenção e intervenção psicoterapêutica mais congruentes (10-12).
Na presente investigação, seguimos o conceito de representações sociais proposto por Serge Moscovici, precursor da teoria das representações sociais baseando este conceito numa abordagem psicológica social que articula pensamento e sentimento individual com interação e comunicação coletivas (13). Para Serge Moscovici, por representações sociais entende-se um conjunto de valores, ideias ou práticas, elaborados socialmente, que permitem a partilha de uma realidade, regulam a relação do indivíduo com o mundo e orientam a sua conduta (1,13,14).
Assim, o estudo das representações sociais poderá melhorar a compreensão do fenómeno suicídio, já que visa conhecer a forma como o mundo é representado pelos adolescentes e, como essa representação permite dar sentido aos acontecimentos (1,13). As representações sociais enquanto sistemas de interpretação dependem da pertença categorial do sujeito, dos seus contextos de vida e de interação, do seu lugar na estrutura social e evidenciam-se como uma forma de ler o real, dando sentido à vida dos grupos e organizando-os em torno de interesses comuns (15, 16).
Constata-se que não existe consenso acerca das metodologias a privilegiar. Contudo, existem autores que consideram que a investigação em representações sociais faz apelo a metodologias variadas e não existe nenhuma metodologia que, por si só, seja suficiente para investigar este complexo fenómeno (15). Assim, a investigação em representações sociais pode englobar uma pesquisa muito heterogénea e não prescritiva em termos de metodologia. Mediante as premissas analisadas, delineamos como objetivo conhecer as representações sociais da morte e do suicídio em adolescentes com comportamentos suicidários e internamento em serviço de pedopsiquiatria.
METODOLOGIA
O tipo de estudo é de cariz quantitativo, exploratório e descritivo e foi desenvolvido numa unidade de internamento de pedopsiquiatria de Portugal, com colheita de dados de Maio de 2018 a Maio de 2019, totalizando um ano. A colheita de dados demorou em média 45 minutos, estando presentes em gabinete hospitalar, o adolescente e o investigador, que não desenvolveu qualquer relação prévia ou posterior com os participantes.
No que se refere à população, amostra e critérios de seleção, envolveu 33 adolescentes com comportamento suicidário e internamento em serviço de pedopsiquiatria. A amostra foi selecionada por conveniência. Todos os adolescentes cumpriram os critérios de inclusão: adolescentes com idades entre 10 e 19 anos (à data da colheita de dados), com comportamento suicidário, com internamento em serviço de pedopsiquiatria, independentemente do diagnóstico clínico, com alta clínica, que aceitaram participar no estudo, que autorizaram (em caso de mais de 14 anos) e obtiveram autorização dos pais e/ou representantes legais. Não se verificaram perdas, recusas ou desistências.
Para a colheita de dados foi utilizado o Questionário suicídio juvenil – representações sociais dos adolescentes, validado para a população portuguesa (17). Este questionário é de autorresposta e foi preenchido na presença do investigador. Reportamo-nos neste estudo a duas partes do instrumento: A primeira parte é composta por questões fechadas relativas às variáveis sociodemográficas; Na segunda parte, é utilizada a técnica de associação livre de palavras para a colheita das representações sociais acerca de morte e de suicídio, sendo solicitada a resposta de forma espontânea, de pensamentos, emoções, sentimentos, ideias, imagens e símbolos, relativamente à morte e ao suicídio, em palavras ou pequenas frases, para cada um dos oito indutores propostos (17). Destes oito indutores, quatro são relativos a morte: “Na minha opinião, morte é…”, “Morte faz-me sentir…”, “Morte faz-me pensar…”, “Na minha opinião, as causas de morte são…” e quatro relativos ao suicídio “Na minha opinião, suicídio é…”, “Na minha opinião, o que leva os jovens a suicidarem-se é…”, “O que fazer, se um colega ou amigo, te dissesse que se quer suicidar…” e “Tipos de ajuda que os jovens podem procurar quando pensam em suicidar-se…”.
Quanto aos procedimentos de colheita de dados e para dar cumprimento aos aspetos formais e éticos, este estudo foi aprovado pelo Conselho de Administração e Comissão de Ética do Centro Hospitalar onde decorreu (parecer Nº 0185/CES). O processo de colheita de dados ocorreu nos dois últimos dias de internamento dos adolescentes, após alta clínica, ou na primeira consulta externa com o médico pedopsiquiatra. A participação dos adolescentes foi precedida de parecer médico favorável (tendo sempre em consideração a sensibilidade do tema e a estabilidade clínica do adolescente) e da obtenção do consentimento livre e esclarecido do adolescente (em caso de mais de 14 anos) e dos seus pais e/ou responsáveis legais, por escrito e assinado. A todos os participantes foram garantidos o anonimato e a confidencialidade dos dados colhidos, assim como a garantia que poderiam interromper o preenchimento do questionário se assim o desejassem.
Relativamente ao tratamento e análise de dados, as variáveis sociodemográficas foram tratadas com recurso a estatística descritiva e inferencial e os dados obtidos ao nível da variável representações sociais da morte e do suicídio foram tratados através de análise fatorial com recurso ao software estatístico Stata® pela matriz de correlação tetracórica.
A opção pela realização da análise fatorial prende-se com o princípio de que um grande número de variáveis observadas pode ser explicado por um número menor de variáveis hipotéticas, não-observadas. Estas variáveis hipotéticas, denominadas por fatores, são responsáveis pelo facto das variáveis observadas se correlacionarem entre si. A análise fatorial tem sido caraterizada como um dos métodos psicométricos mais poderosos para reduzir a complexidade de uma grande quantidade de variáveis a uma estrutura relativamente simples, consistindo de um número menor de fatores (17). A amostra selecionada, clínica e heterogénea, justifica a escolha do teste estatístico e apoiamo-nos em Wolins que afirma que não existe um tamanho de amostra mínimo para efetuar uma análise fatorial com um determinado número de variáveis (17). Segundo este autor, é incorreto supor que estudos fatoriais que envolvem um grande número de variáveis requerem amostras maiores do que estudos com menos variáveis. Contudo é amplamente aceito que a utilização de amostras grandes tende a fornecer resultados mais precisos, diminuindo o efeito do erro amostral e fornecendo resultados mais próximos ao índice populacional.
Os dados, relativos às representações sociais da morte e do suicídio, foram obtidos por meio da técnica de associação livre de palavras. Para o seu tratamento e análise, depois de transcritas todas as expressões procedeu-se a uma redução de expressões próximas, sem efetuar qualquer análise de conteúdo, colocando todos os adjetivos e substantivos no masculino e no singular, assim como os verbos no modo infinitivo. Posteriormente, dado o enfoque nas representações sociais de morte e de suicídio, procedeu-se à identificação dos universos semânticos que as estruturam. Não foi realizada análise qualitativa destes dados.
Pela análise fatorial nas expressões citadas com frequência igual ou superior a seis, para cada um dos indutores, colocaram-se em evidência os fatores que estruturam as representações sociais dos adolescentes com comportamento suicidário. A dicotomia foi definida pelo facto do participante evocar ou não evocar a expressão. No que respeita à escolha do número de fatores, passo fundamental na análise fatorial, de forma a diminuir o número de variáveis iniciais, recorremos ao método de análises paralelas e identificamos quatro fatores. Este método consiste na construção aleatória de um conjunto hipotético de matrizes de correlação de variáveis, utilizando como base a mesma dimensionalidade (o mesmo número p de variáveis e o mesmo número n de sujeitos) do conjunto de dados reais. Esta opção pelo método de análises paralelas justifica-se por ser um método minimamente afetado pelo tamanho da amostra ou pelas cargas fatoriais dos itens. A análise fatorial enquanto análise multidimensional apresenta um alcance eminentemente descritivo.
RESULTADOS
Participaram neste estudo 33 adolescentes com comportamento suicidário e internamento em um serviço de pedopsiquiatria. Do ponto de vista sociodemográfico, os adolescentes participantes são maioritariamente do género feminino 72,72% (n=24), com idades compreendidas entre os 13 e os 18 anos (M=15,91 e DP=1,18). No que concerne aos comportamentos suicidários adotados pelos adolescentes participantes no estudo, 93,93% (n= 31) assumem terem realizado tentativa de suicídio, sendo que apenas 48,48% (n=16) procuraram ajuda.
Relativamente aos resultados obtidos para as representações sociais da morte e do suicídio: o teste de associação livre de palavras permitiu obter um total de 784 expressões aos oito indutores propostos, para um máximo de 117 expressões ao indutor seis (Na minha opinião, o que leva os jovens a suicidarem-se é…) e um mínimo de 85 expressões ao indutor sete (O que fazer, se um colega ou amigo, te dissesse que se quer suicidar…). Na fase inicial da análise dos resultados, debruçamo-nos sobre estas expressões que, segundo os participantes, estruturam as representações sociais da morte e do suicídio e foram analisadas a partir da frequência de resposta e da ordem de evocação (Tabelas 1 e 2). As percentagens foram calculadas tendo em consideração o total de respostas dadas pelos jovens, em cada indutor. No quadro 1 apresentam-se apenas as expressões com uma frequência mínima de seis ocorrências, respondentes a cada um dos estímulos apresentados e designados por E.
Representações sociais da morte: No que concerne ao estímulo 1, “Na minha opinião morte é…”, 17,17% (n=17) dos adolescentes com comportamento suicidário, refere que a morte é o fim de tudo, sendo para 14,14% (n=14) natural e para 14,14% (n=14) uma fuga aos problemas irresolúveis e intoleráveis (Tabela 1). Em resposta ao estímulo 2, relativo aos sentimentos provocados pela morte, 16,27% (n=14) dos adolescentes assumiram sentir-se perturbados, 13,95% (n=12) sentir alívio e 13,95% (n=12) sentir tristeza (Tabela 1). Relativamente ao estímulo 3, respeitante aos pensamentos que o tema morte suscita, 15,95% (n=15) dos adolescentes com comportamento suicidário evidenciam pensamentos relacionados com o impacto da morte para si mas também para a família, 10,63% (n=10) enunciam pensamentos associados ao alívio (da dor e dos problemas), 8,51% (n=8) reportam-se a pensamentos relacionados com suicídio e em igual percentagem, 8,51% (n=8), pensam especificamente em métodos de suicídio (Tabela 1). Quanto à causalidade associada à morte (E4), constata-se na tabela 1 que, 25,22% (n=28) dos adolescentes associam à doença mental, 13,51% (n=15) ao suicídio e 12,61% (n=14) às doenças físicas.
Tabela 1 – Frequência e frequência relativas das expressões dos adolescentes com comportamento suicidário aos estímulos indutores da morte. Coimbra, Portugal, 2019.
Representações sociais do suicídio: Quanto às representações sociais do suicídio e ao ter-se em consideração as seis palavras mais frequentes em resposta ao estímulo 5, é possível verificar que a representação social do suicídio reside, sobretudo, na ideia de fuga, palavra mencionada por cerca de 23,07% (n=21) dos adolescentes, já a ideia de suicídio como uma opção é mencionada por cerca de 9,89% (n=9) dos adolescentes, existindo igual percentagem (9,89%; n=9) a utilizar a expressão opção mas de forma crítica e como sendo uma opção negativa e a esquecer (Tabela 2). Em resposta ao estímulo 6, 22,22% (n= 26) dos adolescentes defendem que a causalidade do suicídio está associada à doença mental, para 12,82% (n=15) a causa reside nos problemas interpessoais e para 10,25% (n=12) na falta de apoio (Tabela 2). Em resposta ao estímulo 7, relativo aos tipos de ajuda que os jovens podem procurar quando pensam em suicidar-se, 24,70% (n=21) dos adolescentes referem os profissionais de saúde, 22,35% (n=19) referem a família e 20,20% (n=17) referem os amigos (Tabela 2). No que concerne ao estímulo 8: o que fazer, se um colega ou amigo, te dissesse que se quer suicidar…, 27,72% (n=28) dos adolescentes com comportamento suicidário assumem disponibilidade para ajudar, 15,84% (n=16) pedir ajuda a adultos/pais e 9,90% (n=10) pedir ajuda médica, conforme expresso na tabela 2.
Tabela 2 – Frequência e frequência relativas das expressões dos adolescentes com comportamento suicidário aos estímulos indutores do suicídio. Coimbra, Portugal, 2019.
De forma a simplificar os dados obtidos, foi realizada análise fatorial de uma matriz de correlações tetracóricas. Decorrente desta análise fatorial destacam-se quatro fatores, pelo método de análises paralelas, responsáveis por explicar 33,66% da variância dos resultados, e que estruturam as representações sociais de morte e de suicídio. O sinal da carga fatorial foi respeitado.
Tendo em consideração os objetivos do estudo, optou-se por descrever apenas as análises relativas aos indutores das definições de morte e de suicídio e aos indutores relacionados com as causas de cada um deles (E1, E4, E5 e E6).
Pela análise fatorial realizada, constata-se na tabela 3, que em reposta a E1, referente à representação social de morte, o primeiro fator traduz a ideia de fuga – palavra que mais contribui para a sua explicação (46%), e opõe dois modos de entender a morte, por um lado como sendo algo bom e por outro como sendo algo natural. O segundo fator traduz o entendimento da morte de forma crítica e como sendo algo que não deve ser uma opção, sendo a correlação entre o item e o fator de 0,43, o que indica uma influência moderada na variação deste. O terceiro fator também nos sugere duas representações de morte, que ancoram na ideia de fim de tudo, que contribui com 45% de percentagem de variação do fator, e reencontro com entes queridos. Já o quarto fator traduz a morte como sendo algo mau e justifica com 39% de percentagem de variação do fator.
Em resposta ao estímulo 4, referente às causas atribuídas à morte, o primeiro fator enfatiza as doenças físicas como causa de morte, sendo este que mais contribui para a sua explicação. Por seu lado, o segundo fator opõe duas causas de morte, por um lado o suicídio que contribui com 58% de percentagem de variação do fator e por outro os acidentes que contribuem com 38%. O terceiro fator traduz a doença mental e a falta de suporte como variáveis que contribuem para o significado do fator (Tabela 3).
No que concerne à análise do estímulo 5, o primeiro fator sugere-nos uma representação social do suicídio traduzida na expressão matar-se que contribui em 44% de percentagem de variação do fator, conforme patente na tabela 3. Já o segundo fator coloca em oposição duas representações de suicídio ancoradas na ideia de opção negativa ou uma não opção, contrariamente à ideia de ato de coragem. O terceiro fator traduz a representação de suicídio como uma opção (escolha, possibilidade), com uma correlação entre o item e o fator de 0,45. Por último, no quarto fator encontramos a expressão alívio que mais contribui para a sua explicação, seguindo-se a fuga.
Pela análise do estímulo 6, o primeiro fator apresenta-nos como causa para o suicídio a angústia, medo e vazio, com correlação entre o item e o fator de 0,61, seguindo-se os problemas interpessoais, o bullying, o querer mesmo morrer e os abusos. No segundo fator, a variável querer o fim do sofrimento é a causa preponderante, com correlação entre o item e o fator de 0,34. Já no terceiro fator encontramos unicamente a doença mental como causa do suicídio, com uma correlação de 0,31 na variação deste (Tabela 3).
Tabela 3 – Cargas fatoriais e variações únicas das representações sociais e das causas de morte e suicídio pela análise fatorial de uma matriz de correlações tetracóricas. Coimbra, Portugal, 2019.
DISCUSSÃO
Através das expressões obtidas pela técnica de associação livre de palavras, é possível identificar as principais crenças dos adolescentes com comportamento suicidário relativamente à morte e ao suicídio, sabendo-se que os conteúdos representacionais são modelados pela experiência de pelo menos um comportamento suicidário.
Encontrando-se uma grande dispersão nas palavras usadas pelos participantes (375 palavras distintas usadas pelos 33 sujeitos aos oito indutores), encontramos como número máximo 28 participantes a usar o mesmo termo para o mesmo indutor que representa 84,84% dos sujeitos da amostra e definimos como número mínimo de análise as palavras que foram usadas por 6 participantes o que corresponde a 18,18% dos elementos da amostra.
No que se refere à representação social da morte, os adolescentes com comportamento suicidário perspectivam-na como uma fuga aos problemas irresolúveis e intoleráveis, daí resultando o fim de tudo, mas entendendo a procura da morte com crítica já que deve ser uma não opção. Estes dados contrariam os resultados em que os adolescentes, concebem a morte como inevitável e associada a tristeza e mal-estar, objetivando-a através da referência a cemitério e aos rituais fúnebres, bem como a imagens utilizadas para personificar a morte (18). Num outro estudo a morte é perspectivada como o fim, o início de uma vida após a morte e associada a tristeza (19) e também em termos de causalidade interna (como doença, velhice), estado emocional negativo (frustração, tristeza), causalidade externa (acidentes, guerra), a consciência da deterioração física e o estado corporal negativo (reações somáticas como tremores, arrepios) (20).
Quanto aos sentimentos associados à morte, os adolescentes com comportamento suicidário, assumem sentimentos perturbadores (medo, tristeza, angústia,…), mas também alívio, felicidade e paz. Em estudo anterior, os sentimentos perturbadores são corroborados e as expressões mais apontadas passaram por tristeza, medo e mal-estar (19). Em consonância, a morte desencadeia sentimentos como angústia, dor, solidão, saudade, revolta e desespero e tal como no estudo atual, maioritariamente os adolescentes levantam a hipótese da existência de uma vida além da morte (18).
Os adolescentes do presente estudo entendem que a causalidade da morte está associada ao suicídio, à doença mental e à falta de suporte mas também às doenças físicas. Contrariamente, outros estudos identificam como causas de morte, são referidas expressões como drogas, problemas familiares e doença (19). Ainda que as principais causas de morte nos adolescentes sejam, por ordem decrescente, os acidentes de viação, a violência interpessoal e o suicídio (2).
No que se refere à representação social do suicídio, este é maioritariamente perspetivado pelos adolescentes com comportamento suicidário como alívio, como uma alternativa solucionadora, como o ato de matar-se, como uma opção negativa ou não opção, um ato de fuga aos problemas que entendem como irresolúveis e aos sentimentos que assumem como insuportáveis, mas também como um ato de coragem. Existindo autores que defendem que os conteúdos representacionais parecem ser modelados pelo contacto prévio com o suicídio e no que diz respeito à influência da ideação suicida, presente em todos os adolescentes participantes, constata-se que os adolescentes que já pensaram em suicidar-se valorizam fatores de natureza intrapessoal psicossocial e biológica, enquanto os que nunca pensaram nisso atribuem o suicídio a causas externas (21-22), o que corrobora os resultados obtidos. Desta forma, e de um modo geral, as ideias relacionadas com o suicídio por nós encontradas assemelham-se a alguns dos resultados anteriormente obtidos em que os adolescentes consideram o suicídio como uma estratégia de fuga aos problemas, incidindo na valorização significativa da sua experiência e nas suas funções intrapessoais e de auto-regulação do afeto (19,21-24). Os resultados obtidos, corroboram ainda, a representação do suicídio como um ato de desespero face aos problemas em que podendo ser uma solução negativa pode, por outro lado, trazer alívio (11). Ainda assim, os resultados obtidos contrariam a representação comum do suicídio como um ato impulsivo influenciado por inúmeros fatores de risco (11). Assim como a rejeição ao comportamento suicidário e a associação de crítica negativa, com expressões do tipo ato de fraqueza, desespero, egoísta e cobarde também não se verifica (11,21), em contraste com a confirmação que os adolescentes com ideação suicida assumem maior aceitação do tema, indicando provavelmente, uma maior familiaridade com os temas pesquisados, já que são vividos e sentidos por eles (11).
As representações e ambiguidades encontradas podem ser explicadas pela complexidade do fenómeno associada às influências sociais, culturais e educacionais que afetam as representações sociais dos adolescentes.
Quanto aos sentimentos suscitados pelo suicídio fortalece-se o mal-estar (desespero, tristeza, solidão, sofrimento), causas internas/externas do suicídio (problemas, doença, depressão), e aspetos simbólicos associados a este comportamento (21), provocando choque, sofrimento e tristeza (23). Estes sentimentos são predominantemente negativos, e as manifestações de perturbação perante o fenómeno estão também associadas aos sentimentos de impotência e de revolta perante o comportamento suicidário.
Para os adolescentes incluídos no estudo, a causalidade do suicídio está associada à angústia, medo e vazio, aos problemas interpessoais, ao bullying, ao querer mesmo morrer e à doença mental. Em consonância parcial, como causas de suicídio, são indicados: problemas familiares, vida infeliz e problemas escolares (19) ou problemas familiares, problemas amorosos, , problemas com drogas, solidão e a discriminação (11).
Os adolescentes com comportamento suicidário entendem que a ajuda a procurar passa maioritariamente por profissionais de saúde (psicólogo, psiquiatra e enfermeiro), família e amigos. Em consonância, os recursos apontados passam por psicólogo, amigos e pais (19).
Nas ações que entendem necessárias para lidar com um amigo que revele intenção de se suicidar adotam maioritariamente disponibilidade para ajudar, pedir ajuda a adultos/pais e pedir ajuda médica. Já os adolescentes incluídos em estudos anteriores, apontam como estratégia prioritária impedir o amigo, fazê-lo ponderar, compreender os motivos e ajudar (19).
No que diz respeito às limitações do presente estudo apontamos a amostragem por conveniência já que não se poderão considerar os resultados representativos da população. O tamanho reduzido e a homogeneidade em algumas variáveis da amostra também se nos afiguram como limitações que poderão ser traduzidas numa menor riqueza das representações. A aplicação do instrumento de colheita de dados em meio hospitalar pode ter contribuído para a questão da desejabilidade social relativa às respostas dadas.
Como implicações para o avanço do conhecimento científico para a área de saúde e enfermagem, e como forma de minimizar as limitações identificadas, entendemos pertinente a realização de novo estudo com população não clínica e a comparação com os resultados obtidos, utilização de amostra de grande dimensão, utilização de outros instrumentos de colheita de dados validados para a população portuguesa e colheita das representações de morte e de suicídio em separado, impossibilitando possíveis enviesamentos. Os resultados obtidos permitirão adaptar as estratégias de prevenção de suicídio centrando-as nas estratégias de resolução de problemas, no enfrentamento do sofrimento mental e na literacia em saúde mental, tendo como foco o adolescente e a família.
CONCLUSÃO
Com o presente estudo, aumentamos o conhecimento das representações sociais que os adolescentes com comportamento suicidário associam à morte e ao suicídio, de forma, a contribuir para a melhor compreensão do fenómeno e para o desenvolvimento e adaptação dos programas de prevenção e intervenção psicoterapêutica.
Entre outras conclusões, ressalta que os adolescentes representam a morte como uma fuga aos problemas, o fim de tudo e uma não opção, com críticas a quem a procura. Como causas para a morte defendem o suicídio, a doença mental e a falta de suporte. O suicídio é representado como um alívio, como uma opção e como matar-se, que tem como causalidade a angústia, medo e vazio, mas também os problemas interpessoais e o bullying, demonstrando grande valorização dos fatores psicológicos como principal causa do comportamento suicidário.
Face aos resultados obtidos sugere-se em termos de implicação para a prática clínica o reforço da intervenção especializada de prevenção do suicídio imediatamente após a admissão no internamento com uma intervenção estruturada e sistematizada, aplicada pelos enfermeiros especialistas em enfermagem de saúde mental e psiquiatria com treino em prevenção do suicídio, que vá de encontro aos resultados obtidos na presente investigação.
A diversidade de fatores apontados centra-se numa perspetiva teórica de interpretação integrada, apontando para uma causalidade multifatorial e complexa do fenómeno. Os resultados das representações sociais da morte e do suicídio lançam pistas de particular relevância para o planeamento de estratégias formativas sobre estes temas reforçando-se a premissa que a formação é uma variável modeladora de diferenças nos conteúdos representacionais dos adolescentes acerca da morte e do suicídio.
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Representações sociais da morte e do suicídio em adolescentes estudo quantitativo