PERIODIZAÇÃO NUTRICIONAL NA PRÁTICA ESPORTIVA
NUTRITIONAL PERIODIZATION IN SPORTS PRACTICE
Mariane de Almeida Rodrigues1, Isabella Egea2, Maria Beatriz Gomes Vargas3, Guilherme de Carvalho Yamaguchi4
Endereço correspondente: cpmari22rodrigues@gmail.com
Publicação: 31/01/2024
DOI: https://doi.org/10.55703/27644006040101
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RESUMO
O propósito deste estudo é destacar a importância da compreensão da periodização nutricional como um elemento crucial para otimizar o desempenho atlético, seja para atletas de elite ou amadores. Isso é particularmente relevante devido ao aumento da prática esportiva entre pessoas comuns, evidenciado pelo crescimento da popularidade, por exemplo, da corrida de rua. A metodologia empregada envolveu uma análise da literatura, com uma revisão bibliográfica abrangente sobre o tema. A revisão revelou que os métodos nutricionais discutidos na literatura, como “train low”, “train high”, “training the gut”, desidratação e “sleep low”, têm como objetivo potencializar as adaptações resultantes do exercício físico em atletas. Entre essas estratégias, a manipulação da disponibilidade de carboidratos se destaca, reconhecendo a importância fundamental desses nutrientes para o exercício e o desempenho esportivo. A conclusão a que se chega é que a complexa interação entre nutrição e exercício permite promover adaptações por meio da manipulação da ingestão nutricional. A literatura aborda diversas estratégias, como treinamento com alta e baixa ingestão de carboidratos, oferecendo opções variadas. A determinação da combinação ideal desses métodos depende dos objetivos específicos do indivíduo, ressaltando a importância da aplicação prática adequada.
Palavras-chave: periodização nutricional; métodos nutricionais; estratégias; baixa ingestão de carboidratos.
ABSTRACT
The purpose of this study is to highlight the importance of understanding nutritional periodization as a crucial element to optimize athletic performance, whether for elite or amateur athletes. This is particularly relevant due to the increase in sports practice among common people, evidenced by the growing popularity, for example, of street running. The methodology employed involved a literature analysis, with a comprehensive bibliographic review on the subject. The review revealed that the nutritional methods discussed in the literature, such as “train low,” “train high,” “training the gut,” dehydration, and “sleep low,” aim to enhance the adaptations resulting from physical exercise in athletes. Among these strategies, the manipulation of carbohydrate availability stands out, recognizing the fundamental importance of these nutrients for exercise and sports performance. The conclusion reached is that the complex interaction between nutrition and exercise allows promoting adaptations through the manipulation of nutritional intake. The literature addresses various strategies, such as training with high and low carbohydrate intake, offering varied options. Determining the ideal combination of these methods depends on the individual’s specific goals, emphasizing the importance of proper practical application.
Keywords: nutritional periodization; nutritional methods; strategies; low carbohydrate intake.
1. INTRODUÇÃO
A busca constante por melhorias no desempenho esportivo é inerente a atletas de elite e aspirantes a resultados excepcionais. Alcançar a excelência na performance requer um planejamento meticuloso, destacando a nutrição como elemento crucial. Nos últimos anos, a importância da periodização nutricional tem sido enfatizada devido à evolução na compreensão de como a nutrição influencia o rendimento esportivo e sua capacidade de otimizar as adaptações ao treinamento (Jeukendrup, 2017).
A periodização nutricional diz respeito à maximização dos resultados do treinamento esportivo, objetivando o melhor aproveitamento do atleta dentro da prática, buscando seus melhores resultados e utilizando estratégias nutricionais específicas que serão abordadas adiante. No entanto, a coordenação adequada e estratégica entre treinamento e nutrição é uma área que requer maior compreensão e exploração. A nutrição desempenha um papel fundamental no desempenho esportivo, influenciando diretamente a recuperação, resistência, força e velocidade dos atletas. Portanto, sua gestão cuidadosa pode ser um elemento determinante para o sucesso no esporte (Jeukendrup, 2017).
Nesse viés, serão apresentadas as principais estratégias de periodização nutricional para atletas, de modo a demonstrar a importância do profissional da nutrição esportiva com uma visão ampla, com expertise em proporcionar estratégias de performance e de fazer mudanças em momentos diferentes na vida do praticante de esporte.
Serão ilustrados os principais métodos nutricionais apresentados na literatura com a finalidade de otimizar as adaptações promovidas pela prática de exercício físico em atletas, como estratégias train low, train high, training the gut, desidratação e sleep low.
A análise criteriosa de práticas embasadas em evidências científicas, juntamente com a apresentação de casos práticos, servirá como base para compreender as estratégias nutricionais visando alcançar o pico de desempenho esportivo, sendo o objetivo principal deste estudo avaliar as abordagens disponíveis para otimizar as adaptações ao treinamento esportivo, contribuindo para uma compreensão mais abrangente e embasada da interseção entre nutrição e performance atlética.
2. OBJETIVO
Este trabalho objetiva tornar a percepção da periodização nutricional uma visão primordial para o melhor aproveitamento do atleta em sua prática esportiva, seja ele atleta de elite ou atleta amador, uma vez que a prática esportiva está em ascensão por pessoas comuns da sociedade, como nota-se o crescimento da prática da corrida de rua.
3. MÉTODOS
Trata-se de uma análise bibliográfica cuja busca dos artigos foi realizada principalmente na plataforma Scientific Electronic Library Online (Scielo). Os descritores utilizados foram periodização nutricional, métodos nutricionais, estratégias e baixa ingestão de carboidratos. Os critérios de inclusão dos artigos foram: revisões sistemáticas de literatura ou estudos utilizando a estratégia de periodização nutricional na prática esportiva, bem como definindo conceitos acerca do tema. Foram excluídos os artigos que utilizavam outros métodos que poderiam impactar essa prática, influenciando o resultado dos estudos.
4. PERSPECTIVA HISTÓRICA
A relação entre dieta e exercício é reconhecida há bastante tempo. No final do século XIX, o termo “treinamento” era utilizado para descrever um regime que incluía não apenas o exercício, mas também a dieta. A definição de treinamento frequentemente incluía a “ação de realizar um curso de exercícios e dieta em preparação para um evento esportivo” (Shearman, 1894).
Em um momento da história, a nutrição desempenhava um papel tão fundamental na preparação dos atletas que a definição de treinamento estava mais relacionada à dieta do que à própria preparação física. Embora as práticas em si possam não ter resistido ao teste do tempo e careçam de respaldo científico, é evidente que, mesmo naquela época, uma conexão clara era assumida entre a dieta e o desempenho no exercício. Embora esses efeitos buscassem benefícios de curto prazo no desempenho, estudos mais recentes têm se concentrado em efeitos a longo prazo (Shearman, 1894).
Sugeriu-se que, por meio de um planejamento cuidadoso e da integração da nutrição e do treinamento, as adaptações de treinamento a longo prazo podem ser otimizadas. Os termos “periodização nutricional” e “treinamento nutricional” são ocasionalmente utilizados para se referir a essas estratégias.
5. DEFINIÇÃO: PERIODIZAÇÃO NUTRICIONAL NA PRÁTICA ESPORTIVA
A expressão periodização nutricional engloba a integração estratégica de práticas nutricionais e atividade física, visando primordialmente otimizar as adaptações que impulsionam o desempenho, abarcando também ajustes na dieta conforme as distintas fases do treinamento, como na etapa preparatória, competitiva ou na off-season, por exemplo (Stellingwerff et al, 2006).
Trata-se do “uso planejado, proposital e estratégico de intervenções nutricionais específicas para melhorar as adaptações visadas por sessões individuais de exercícios ou planos de treinamento periódicos, ou para obter outros efeitos que melhorem o desempenho a longo prazo” (Jeukendrup, 2017).
Inicialmente concebida para atletas envolvidos em modalidades de força e potência, a sua definição tem atualmente sido ampliada para abranger todas as outras modalidades esportivas (Kraemer e Häkkinen, 2002).
Os principais métodos nutricionais apresentados na literatura com a finalidade de otimizar as adaptações promovidas pela prática de exercício físico em atletas, são as estratégias train low, train high, training the gut, dehydrated e sleep low.
A maioria dos métodos elencados concentra-se na quantidade de carboidratos a ser consumida pelo atleta, uma vez que os carboidratos desempenham um papel fundamental no exercício físico e no desempenho esportivo (Jeukendrup, 2017).
Os estoques de carboidratos no corpo são limitados e, frequentemente, insuficientes para atender às demandas do treinamento atlético e da competição. No entanto, a disponibilidade de carboidratos como substrato para o metabolismo muscular é um fator crítico tanto para o desempenho em exercícios intermitentes de alta intensidade quanto para exercícios aeróbicos prolongados (Hawley, 2010).
A escolha entre esses métodos depende dos objetivos específicos do indivíduo, e não há métodos que atendam a todas as necessidades. Com base na análise bibliográfica proposta, percebe-se que a aplicação prática apropriada reside na combinação ideal de diferentes métodos de treinamento nutricional.
5.1 CARBOIDRATOS (RECOMENDAÇÕES DE INGESTÃO)
As reservas de carboidratos no corpo são uma fonte essencial de energia para o cérebro e os músculos durante o exercício, influenciadas por fatores como a prática de exercícios e a alimentação (Jeukendrup, 2013)
A quantidade de carboidratos na dieta pode variar ao longo de períodos semestrais, mensais e mesmo semanalmente, sendo tradicionalmente composta por cerca de 60% das calorias diárias, mas podendo variar de 25% em dias de baixa ingestão de carboidratos (como fins de semana, dias de descanso ou treinos leves) a 70-80% em dias de maior consumo de carboidratos, como no pré-competição (Thomas, D. T, et al 2016).
Outra abordagem válida é ajustar a ingestão diária de carboidratos em relação ao peso corporal e ao tempo de treinamento. Apesar da alta intensidade do treinamento de musculação, o gasto calórico é geralmente baixo, justificando um fator de atividade (FA) também baixo para aqueles que realizam apenas musculação. Valores absolutos de 4-5g de carboidratos/kg de peso corporal são suficientes para praticantes de musculação exclusivamente, enquanto 6-7g são recomendados para aqueles que combinam musculação com atividade física diária adicional (Thomas, D. T, et al 2016).
No que diz respeito às recomendações gerais, o Consenso de 2009 da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte sugere uma ingestão diária de carboidratos entre 5 e 8 gramas/kg de peso corporal.
Para atletas envolvidos em atividades de longa duração ou treinos intensos, como aqueles que ultrapassam 70% do consumo máximo de oxigênio, a recomendação sobe para 10 gramas/kg de peso/dia.
Órgãos internacionais como o American College of Sports Medicine, Academy of Nutrition and Dietetics e Dietitians of Canada oferecem uma faixa variada de recomendações de ingestão de carboidratos, ajustadas à duração e intensidade do treino, variando de 3 a 12 gramas/kg de peso corporal/dia.
5.2 RAINING LOW
“Training Low” é um termo utilizado para descrever treinamento com restrição de carboidratos (Jeukendrup, 2017). Essa escassez de disponibilidade de carboidratos pode ser promovida por meio de baixo glicogênio muscular, redução do glicogênio hepático, ingestão limitada de carboidratos durante ou após o exercício, ou uma combinação desses fatores.
Há evidências científicas que indicam que a baixa concentração de glicogênio está relacionada ao aumento da expressão e atividade da proteína quinase ativada por adenosina monofosfato (AMPK), da 3-hidroxiacil-CoA desidrogenase e de outras proteínas associadas aos processos de lipólise e beta-oxidação. Isso pode ser responsável por otimizar a utilização de lipídios como fonte de energia. Nesse contexto, a adoção de dietas com baixo teor de carboidratos pode favorecer a redução da gordura corporal (Pilegaard et al, 2002).
Os métodos mais estudados incluem treinar duas vezes ao dia, treinar em jejum, dieta cetogênica ou muito baixa em carboidratos, restrição de carboidratos durante recuperação muscular e a restrição de carboidratos durante o treino (Jeukendrup, 2017).
Cumpre destacar que, mesmo adotando uma dieta com baixo teor de carboidratos, é fundamental seguir as proporções de macronutrientes preconizadas pelas DRIs (Dietary Reference Intakes) e pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Portanto, a dieta low carb pode contemplar a porcentagem mínima de carboidrato recomendada por essas orientações (Tirapegui, 2013).
5.2.1 TREINAR DUAS VEZES AO DIA
O primeiro estudo a aplicar a estratégia em questão, feito por Hansen et al (2005) comparou o treinamento diário com o treinamento duas vezes ao dia, realizado a cada dois dias, usando um modelo de chute com uma perna. O segundo exercício foi feito com baixo glicogênio muscular, resultando em melhorias marcantes na capacidade oxidativa e aumento nos níveis de glicogênio em comparação com treinamento em estado de glicogênio carregado.
Outros estudos replicaram esse design no Reino Unido e Austrália, envolvendo ciclistas em ambientes mais realistas (Hulston, 2010). Ambos os estudos observaram que os ciclistas que treinavam duas vezes ao dia não conseguiam manter a intensidade que os que treinavam uma vez ao dia, apesar de realizar menos trabalho. Adaptações benéficas foram observadas, como melhorias na capacidade de usar gordura como combustível. No entanto, ainda não é possível concluir definitivamente que o treinamento duas vezes ao dia resultará em benefícios de desempenho a longo prazo.
5.2.2. TREINAR EM JEJUM
Treinar em estado de jejum noturno, com a última refeição entre 20h e 22h da noite anterior, é uma abordagem comum para atingir o treinamento em baixo glicogênio. Essa prática difere de métodos já mencionados que reduziam o glicogênio muscular por meio de exercícios anteriores (Nilsson, 1973).
Estudos sugerem que treinar em jejum pode induzir adaptações mais profundas do que treinar alimentado, mostrando aumento nas enzimas oxidativas e melhorias na utilização de gordura e na regulação da glicose (Van Proeyen, K. et al, 2011).
Apesar desses resultados promissores, questões práticas permanecem, como a frequência ideal de treinamento, o tipo mais eficaz (intensidade e duração) e a duração necessária para observar efeitos significativos. Além disso, a maioria dos estudos focou em adaptações metabólicas, com pouca atenção aos possíveis impactos no desempenho do exercício ao longo do tempo (Jeukendrup, 2017).
5.2.3. DIETA CETOGÊNICA
Remover carboidratos da dieta e adotar uma dieta de longo prazo com baixo teor de carboidratos e alto teor de gordura é outra abordagem para treinar com baixo glicogênio. Estudos na década de 1920 mostraram que essa prática aumenta as taxas de oxidação de gordura, mas também resulta em fadiga e redução da capacidade de exercício (Krogh, 1920).
Pesquisas de Burke et. al (1985) envolvendo dietas de curto prazo indicaram que, após 5 dias em uma dieta de baixo teor de carboidratos e alta em gordura, ocorreram adaptações irreversíveis, como aumento das enzimas de oxidação de gordura. No entanto, não foram observados efeitos de melhoria no desempenho em nenhum dos estudos.
Contudo, em um treinamento de longo prazo (7 semanas), tanto com uma dieta rica em gordura (62% gordura, 21% carboidratos) quanto com uma rica em carboidratos (20% gordura, 65% carboidratos), ambos os grupos mostraram melhorias, mas foram mais profundas no grupo de alta ingestão de carboidratos.
Um estudo de Phinney et al (1983) sobre os benefícios de uma dieta cetogênica, na década de 1980, envolveu cinco participantes e mostrou que uma dieta com menos de 20g de carboidratos por dia, por 4 semanas, resultou em hiperketonemia e aumento da oxidação de gordura. No entanto, a capacidade de exercício foi testada apenas em baixa intensidade, sem diferença média antes e depois da dieta cetogênica.
Ademais, uma pesquisa de Stellingwerff et al. (2019) indicou que, embora uma dieta rica em gordura aumente a oxidação de gordura, isso pode reduzir as atividades enzimáticas relacionadas ao metabolismo de carboidratos. Portanto, adaptações que aumentam a oxidação de gordura podem ser indesejadas devido à redução na capacidade de usar carboidratos, essenciais para exercícios de alta intensidade
Embora a dieta cetogênica tenha recebido atenção da mídia e muitas alegações tenham sido feitas, é crucial notar que, até o momento, nenhum estudo demonstrou benefícios de desempenho dessa dieta, incluindo o estudo inicial frequentemente citado. Portanto, não há dados suficientes sobre dietas cetogênicas em atletas para sustentar reivindicações de desempenho.
5.2.4. RESTRIÇÃO DE CARBOIDRATOS DURANTE A RECUPERAÇÃO MUSCULAR
Outra estratégia de periodização nutricional consiste em restringir a ingestão de carboidratos nas primeiras horas após o exercício. O curso temporal da ativação transcricional para muitos genes induzidos pelo exercício se estende ao longo das primeiras horas de recuperação e geralmente retorna ao nível inicial dentro de 24 horas (Burke, 1985).
Tradicionalmente, recomendava-se consumir carboidratos imediatamente após o exercício, pois isso resultaria em taxas mais elevadas de síntese de glicogênio. Porém, estudos mostraram que, ao restringir a ingestão de carboidratos após 75 minutos de ciclismo, ocorreram adaptações genéticas relacionadas ao metabolismo, havendo, contudo, divergências nos resultados de diferentes pesquisas (Pilegaard, 2002).
Alguns estudos sugerem que a restrição de carboidratos pode influenciar positivamente a resposta metabólica ao exercício, enquanto outros não encontram diferenças significativas. Ainda há incerteza sobre o impacto da manipulação de carboidratos na fase de recuperação, pois os resultados são variáveis e o timing das amostras pode ser um fator relevante (Jeukendrup, 2017).
5.2.5. RESTRIÇÃO DE CARBOIDRATOS DURANTE O TREINO
Embora sejam amplamente reconhecidos os benefícios da ingestão de carboidratos durante o exercício, a suplementação de carboidratos durante essa atividade pode ter efeitos que não são exclusivamente positivos (Cermak et al, 2013).
Enquanto os efeitos positivos podem ser observados em situações agudas, há indícios de que o uso crônico de carboidratos durante o exercício pode limitar as adaptações resultantes do treinamento. Essa perspectiva baseia-se na observação de uma relação entre os estoques de glicogênio muscular e a expressão de genes relevantes para a adaptação ao treinamento (Stellingwerff et al, 2006).
Acredita-se comumente que as adaptações ao treinamento ocorrem como resultado de alterações recorrentes na expressão gênica, influenciadas por cada sessão de exercício, culminando em mudanças fenotípicas, como aumento no transporte e oxidação de ácidos graxos (Cermak et al, 2013).
No entanto, a ingestão crônica de glicose pode influenciar negativamente a expressão de genes cruciais para essas adaptações. A supressão do aumento de AMPK pela ingestão de glicose pode reduzir a atividade da CS e, consequentemente, a acumulação de glicogênio muscular, marcadores comuns de adaptação ao treinamento. Além disso, a ingestão de glicose durante o exercício pode suprimir a lipólise e reduzir a concentração de ácidos graxos no plasma, impactando potencialmente as adaptações induzidas pelo treinamento (Akerstrom, 2009).
Apesar dessas considerações, um estudo de Akerstrom (2009) envolvendo um programa de treinamento de extensão de perna de 10 semanas, não encontrou efeitos significativos da ingestão de glicose nas adaptações relacionadas ao metabolismo de substratos, atividade enzimática mitocondrial, conteúdo de glicogênio ou desempenho.
Ainda assim, é importante notar que os efeitos da ingestão de glicose durante o exercício parecem diferir notavelmente daqueles induzidos pelo exercício com baixo glicogênio muscular.
5.3 TRAINING HIGH
Embora haja evidências sugerindo benefícios de planos alimentares com baixas concentrações de carboidratos, é amplamente reconhecida na literatura a importância dos carboidratos como fonte primária de energia durante o exercício físico. Existe uma correlação direta entre a ingestão de carboidratos e o aprimoramento do desempenho, tornando os carboidratos o nutriente com o potencial ergogênico mais claramente delineado na literatura (Hulston, 2010).
Nesse viés, o “Training High” refere-se a realizar exercícios com níveis elevados de carboidratos disponíveis (Jeukendrup, 2017).
Os níveis de glicogênio muscular e hepático são elevados no início do exercício e/ou os carboidratos são suplementados durante o exercício. Existem duas razões principais para adotar essa abordagem. Primeiramente, os carboidratos mostraram-se importantes para manter a qualidade do treinamento de resistência e reduzir os sintomas de fadiga. A segunda razão para treinar com alta disponibilidade de carboidratos está relacionada à função intestinal (Simonsen, 1991).
Muitos treinadores argumentam que é essencial manter uma alta qualidade de treinamento para otimizar as adaptações de treinamento a longo prazo, e há alguns estudos que apoiam essas crenças.
Foi analisado, em um estudo feito por Simonsen et al (1991) um grupo de remadores treinados que realizaram treinamento intenso diário (duas vezes ao dia) por 4 semanas, consumindo uma dieta normal de carboidratos (5 g/kg/dia) ou uma dieta rica em carboidratos (10 g/kg/dia). A potência média em testes de 2500 metros aumentou 10,7% no grupo de alta disponibilidade de carboidratos e 1,6% no grupo com consumo normal de carboidratos.
Desse modo, há evidências de que, durante um treinamento extremo com trabalho repetido de alta intensidade, uma abordagem com maior ingestão de carboidratos é preferível (Cermak et al, 2013).
5.4. TRAINING THE GUT
Conforme já mencionado, o treinamento com alta disponibilidade de carboidratos está relacionado à função intestinal, podendo proporcionar a redução de problemas gastrointestinais em atletas de resistência. Estes problemas, comuns nesse grupo, podem estar relacionados à falta de adaptação intestinal sob estresse, resultando em sintomas exacerbados pela redução do fluxo sanguíneo durante o exercício intenso e prolongado, agravado pela desidratação (Jeukendrup et al, 2010).
O treinamento do intestino pode ser uma estratégia para desenvolver adaptações intestinais, melhorando a entrega de nutrientes e reduzindo a prevalência ou gravidade dos sintomas durante o exercício. O trato gastrointestinal desempenha um papel crucial na entrega de carboidratos e líquidos durante o exercício prolongado, sendo um determinante significativo do desempenho atlético (de Oliveira et al, 2014)
Ademais, estudos indicam que o sistema gastrointestinal é altamente adaptável, com a possibilidade de treinamento para melhorar o esvaziamento gástrico e a absorção de nutrientes. Entender esses mecanismos pode ser crucial para desenvolver estratégias de “treinamento nutricional” que não só melhorem o desempenho de resistência, mas também proporcionem uma experiência mais positiva para os atletas, minimizando problemas gastrointestinais (Cox et al, 2010).
5.5. DESIDRATAÇÃO
É bastante claro na literatura que a desidratação tem um impacto importante na performance e na saúde do atleta, comprometendo ambos. No entanto, estudos demonstram que indivíduos que começam o exercício físico no estado hipohidratado têm menor redução de desempenho físico comparado com indivíduos que começam o exercício no estado eu hidratado (Fleming et al, 2014).
Na avaliação da percepção de esforço desses estudos, constatou-se também que os indivíduos hipohidratados sofrerem menos com a desidratação do que os indivíduos que iniciaram o exercício hidratados.
Neste sentido, é possível que a familiarização com a hipohidratação seja um importante recurso para adaptar o atleta a lidar contra este evento, o que pode minimizar o efeito ergolítico decorrente da desidratação.
5.6. SLEEP LOW
Lane et al (2015) realizaram o primeiro estudo sobre o conceito de “train high-sleep low”, sendo este um treino intenso à noite resultando em uma redução da disponibilidade de carboidratos (glicogênio muscular e hepático), seguido pelo sono.
Contudo, essa prática vai contra o conselho típico dado a atletas de consumir carboidratos pós-exercício (e antes de dormir) para acelerar a recuperação. No entanto, no estudo realizado, treinar em um estado de alto carboidrato e dormir em um estado de baixo carboidrato resultou em uma maior regulação positiva de vários marcadores de sinalização responsivos ao exercício com papéis na oxidação de lipídios na manhã seguinte, em comparação com quando uma refeição noturna foi consumida (Lane et al, 2015).
Ademais, um estudo de acompanhamento realizado na França analisou os efeitos a longo prazo da abordagem ‘treinar alto-dormir baixo’. Dois grupos de triatletas seguiram o mesmo programa de treinamento de resistência por 3 semanas consecutivas. Um grupo seguiu uma estratégia para manipular a disponibilidade de carboidratos (treino de alta intensidade com alta disponibilidade de carboidratos seguido por uma recuperação com restrição de carboidratos mais um jejum noturno; em seguida, um treino prolongado submáximo na manhã seguinte com baixa disponibilidade de carboidratos) no cronograma de treinamento (Marquet et al, 2016).
O grupo de controle manteve a ingestão regular de carboidratos ao longo do dia e realizou cada sessão de treinamento com disponibilidade normal/alta de carboidratos. Os triatletas realizaram uma corrida de triatlo simulada no início e no final do período de intervenção.
Os autores encontraram um pequeno, mas significativo, efeito sobre o desempenho, pois o desempenho na corrida de 10 km aumentou após 3 semanas no primeiro grupo, mas não no grupo de controle (Marquet et al, 2016).
Esses são os únicos dois estudos sobre o conceito de “train high – sleep low”, podendo ser cedo demais para tirar conclusões firmes. No entanto, os estudos fornecem resultados promissores.
6. PERIODIZAÇÃO NUTRICIONAL EM CICLOS
A periodização nutricional deve ser alinhada aos ciclos de treino, compreendendo o macrociclo, mesociclos e microciclos (Hawley, 2010).
Cada uma dessas fases demanda necessidades calóricas e nutricionais distintas. Para estabelecer a melhor periodização nutricional alinhada aos seus objetivos de treino, é recomendável buscar a orientação de um nutricionista.
O macrociclo abrange o período total de treinamento, variando de seis meses a quatro anos, sendo que um macrociclo de quatro anos é direcionado a esportes de ciclo olímpico (Bompa, 2001).
Os mesociclos constituem subdivisões de um macrociclo e, simultaneamente, um conjunto de microciclos. Sua duração varia de 2 a 6 semanas, de acordo com o objetivo e a fase do treinamento (Stellingwerff et al. 2019)
Os microciclos representam um conjunto de sessões de treinamento organizadas considerando tipos de cargas e momentos ideais de recuperação para facilitar a assimilação de diversos estímulos pelo cliente/aluno. A duração desses microciclos deve ser de no máximo 4 semanas, dependendo do objetivo e da disponibilidade para a prática da atividade, sendo frequentemente de 1 semana (Bompa, 2001)
7. CONCLUSÃO
Em síntese, a periodização nutricional emerge como uma abordagem estratégica que integra práticas alimentares e atividade física, visando otimizar as adaptações cruciais para o desempenho atlético. Este conceito envolve ajustes na dieta ao longo das diferentes fases do treinamento, sendo crucial para aprimorar o ápice do desempenho em competições específicas e promover uma recuperação eficaz do atleta.
Os métodos nutricionais discutidos na literatura, como train low, train high, training the gut, dehydrated e sleep low, buscam potencializar as adaptações resultantes do exercício físico em atletas. Dentre essas estratégias, a manipulação da disponibilidade de carboidratos se destaca, reconhecendo a importância fundamental desses nutrientes para o exercício e o desempenho esportivo.
Considerando que os estoques de carboidratos no corpo muitas vezes são insuficientes para atender às demandas do treinamento atlético, a disponibilidade adequada desses substratos é crucial tanto para exercícios intermitentes de alta intensidade quanto para atividades aeróbicas prolongadas.
A complexa interação entre nutrição e exercício possibilita a promoção de adaptações por meio da manipulação da ingestão nutricional. Diversas estratégias, como o treinamento com alta e baixa ingestão de carboidratos, são abordadas na literatura, oferecendo opções variadas. A combinação ideal desses métodos é determinada pelos objetivos específicos do indivíduo, destacando a importância da aplicação prática apropriada.
À medida que avançamos, é esperado que uma compreensão mais profunda das bases moleculares das adaptações ao treinamento surja, permitindo uma integração mais eficaz da nutrição periodizada aos métodos de treinamento.
Essa evolução promete contribuir significativamente para aprimorar o desempenho esportivo e a saúde dos praticantes de atividade física, proporcionando uma visão mais abrangente e personalizada da relação entre nutrição e exercício.
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