REVISTA CIENTÍFICA IPEDSS: A CIÊNCIA A FAVOR DA SAÚDE E SOCIEDADE

ISSN 2764-4006 Publicação online

DOI 1055703

Volume 1. Número 1.

Petrolina, 2021

ATUAÇÃO DO FISIOTERAPEUTA NO ATENDIMENTO AO PORTADOR DE TRAQUEOSTOMIA: ARTIGO DE REVISÃO

Elis Fernanda Araújo Lima de Oliveira¹ e Naiara Kássia Macedo da Silva Bezerra²

Endereço correspondente: Elis Fernanda Araújo Lima de Oliveira – Petrolina, PE – Brazil – E-mail: elisfernanda89@gmail.com

Submissão: 09 de Setembro, 2021 – Modificação: 23 de Setembro, 2021 – Aceito: 28 de Setembro, 2021

DOI: https://doi.org/10.55703/27644006010104

 

RESUMO

O objetivo deste estudo foi levantar através de uma busca na literatura aspectos da atuação do fisioterapeuta no atendimento ao portador de traqueostomia. Para o alcance do objetivo desta pesquisa, optou-se pelo método de revisão sistemática, o levantamento dos artigos ocorreu nas bases de dados eletrônicas LILACS, SCIELO, PEDro, MEDLINE, PUBMED e COCHRANE, a busca se limitou aos artigos publicados entre 2007 e 2017. Após a busca foram encontradas 369 publicações e destas 10 contemplavam os critérios de inclusão na pesquisa. Observou-se que as principais atuações do profissional de fisioterapia identificadas foram a avaliação para decanulação (50%), avaliação e cuidados com a pressão do cuff (20%), e o uso de técnicas específicas como a ventilação não invasiva (VNI) e manobras desobstrutivas (30%), concluiu-se que apesar da importância poucos estudos apresentam na sua metodologia aplicações de técnicas fisioterapêuticas específicas e a avaliação sobre a eficácia das mesmas em pacientes traqueostomizados.

Palavras-chave: Traqueostomia; Fisioterapia; Decanulação.

 

INTRODUÇÃO

A traqueostomia (TQT) é um procedimento cirúrgico no qual é inserida uma cânula através de um orifício na traquéia com o objetivo de manter a perviedade da via aérea, através da comunicação desta com o meio externo. Na maioria das vezes é feita de forma eletiva, em pacientes que necessitam de via aérea alternativa, prolongada ou permanente. Em algumas situações como nos traumas graves da face ou da laringe, tumores da orofaringe, edema das vias aéreas por infecção ou procedimentos cirúrgicos, paralisia bilateral das cordas vocais e traqueomalácia esta também pode ser feita em caráter de urgência (1).

As recomendações brasileiras de ventilação mecânica indicam a realização de TQT precoce (até 7 dias) em pacientes com estimativa de uso prolongado de ventilação como nos casos de traumas graves, lesão encefálica grave (Glasgow<8) e trauma raquimedular principalmente acima de C5. Em pacientes internados por causas clínicas há a orientação para aguardar 14 dias de internação. Quanto à técnica cirúrgica não há consenso na literatura quanto à TQT percutânea ou convencional, neste caso deve se levar em conta os recursos disponíveis e experiência da equipe, uma vez que complicações maiores, como taxa de sangramento, enfisema subcutâneo, pneumotórax e mortalidade, apresentam resultados semelhantes em ambas as técnicas (2).

Fisiologicamente a TQT proporciona uma redução do espaço morto anatômico, da resistência das vias aéreas e do trabalho respiratório, seu uso pode trazer grandes benefícios, estes incluem menor incidência de lesões na laringe em relação à intubação prolongada, menor taxa de extubação acidental, maior facilidade na higienização da árvore traqueobrônquica e oral; redução do tempo de uso do respirador mecânico e consequentemente transferência precoce para a unidade intermediária; além de oferecer maior conforto, pois facilita a mobilização e a comunicação do paciente e ainda permite em alguns casos a alimentação por via oral. Porém, traz como desvantagens alterações do mecanismo de tosse e da umidificação do ar respirado, favorecendo assim o acúmulo de secreções (3-4).

Formalmente o papel do fisioterapeuta está bem definido através de resoluções e acórdãos estabelecidos pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia ocupacional- COFFITO. Segundo o órgão, o fisioterapeuta respiratório ou intensivista atua através de técnicas com objetivos diversos, que incluem o deslocamento de secreções traqueobrônquicas, expansão pulmonar, remoção de secreção, fortalecimento muscular, recondicionamento cardiorrespiratório e suporte ventilatório. Quanto à decanulação e troca de cânula traqueal o fisioterapeuta tem participação importante na avaliação da indicação e do prognóstico da decanulação, baseando-se na mensuração de parâmetros ventilatórios e musculoesqueléticos, não sendo função do mesmo a realização do procedimento em si (6).

Os pacientes traqueostomizados, devido a alterações do seu mecanismo de eliminação de secreções e da mecânica fisiológica do funcionamento das vias aéreas, está propenso a inúmeras complicações que dificultam a alta hospitalar e reduzem a qualidade de vida, assim faz-se cada vez mais necessário a atuação do profissional de fisioterapia neste público. Desta forma este trabalho tem como objetivo levantar através de uma busca na literatura aspectos da atuação do fisioterapeuta no atendimento ao portador de traqueostomia.

MÉTODO

Para o alcance dos objetivos desta pesquisa, optou-se pelo método de revisão sistemática de literatura. O levantamento dos artigos ocorreu nas bases de dados eletrônicas LILACS, SCIELO, PEdro, MEDLINE, PUBMED e COCHRANE. Foram utilizados os seguintes descritores em português: fisioterapia e traqueostomia, traqueostomia, decanulação; e em inglês: tracheostomy and physiotherapy, tracheostomy, decannulation. A busca se limitou aos artigos que foram publicados no período entre 2007 e 2017.

Os estudos foram considerados elegíveis para inclusão quando corresponderam aos seguintes critérios de inclusão: abordassem a atuação do fisioterapeuta em pacientes adultos, entre 18 e 60 anos, portadores de traqueostomia mesmo que a atuação fosse em conjunto com equipe multiprofissional. Foram excluídos artigos que estavam disponíveis apenas em formato de resumo simples e os que não discriminavam algum exemplo de atuação do fisioterapeuta nos portadores de traqueostomia. Aqueles apresentados em mais de uma base de dados foram contabilizados apenas uma vez.

A escolha dos artigos foi realizada por dois revisores de forma independente, através da avaliação dos títulos e dos resumos identificados na busca inicial, obedecendo rigorosamente aos critérios de inclusão e exclusão definidos no protocolo de pesquisa. Quando o título e o resumo não eram esclarecedores, os artigos eram buscados na íntegra, para não correr o risco de deixar estudos importantes fora da revisão sistemática. Caso tivessem alguma discordância, os revisores liam o artigo na íntegra e discutiam até chegar a um consenso.

Não foi aplicada escalas de avaliação metodológica, pois foram encontrados poucos estudos experimentais que contemplassem os critérios de inclusão do estudo.

A análise dos dados foi feita após apuração dos estudos incluídos na pesquisa, através da estatística descritiva utilizando o software Microsoft Excel versão 2010, onde foi confeccionada uma tabela contendo dados relevantes dos artigos nas categorias: autor/ano, abordagem/intervenção utilizada, metodologia e resultados encontrados. Após foram calculados os percentuais das principais abordagens encontradas e os mesmos foram apresentados em gráfico.

RESULTADOS

Na busca inicial foram encontradas 369 publicações, a partir dos descritores utilizados. Após a análise dos artigos, apenas 10 contemplavam os critérios de inclusão do trabalho. A grande maioria foi excluída por não contemplar a atuação do fisioterapeuta em pacientes traqueostomizados, abordavam técnicas cirúrgicas, características da TQT em si, ou relatavam apenas atuação de outros profissionais de saúde, 1 artigo foi eliminado por ter sido encontrado apenas no formato de resumo simples, e 1 por não especificar se a técnica empregada no estudo foi realizada em traqueostomizados.

Dos 10 estudos selecionados 4 eram de revisão, 2 retrospectivos por meio de levantamentos em prontuário, 2 eram descritivos nos 2 demais foram realizadas intervenções nos pacientes da amostra. Um fato comum foi a percepção dos autores quanto à escassez de estudos que analisem a intervenção do fisioterapeuta nos portadores de TQT e a ausência de protocolos estabelecidos e validados do processo de decanulação.

Quadro 1 — Distribuição dos artigos analisados no estudo conforme autores, ano de publicação abordagem/intervenção utilizada, metodologia e resultados encontrados.

Com base nos artigos analisados e apresentados na Tabela 1 as principais intervenções identificadas foram: cuidados com o cuff (2= 20%), participação no processo de decanulação (5=50%) e utilização de recursos fisioterapêuticos (3=30%) que incluíam técnicas variadas de desobstrução brônquica, uso de VNI e recursos diversos de fisioterapia respiratória.

Observa-se que as principais atuações identificadas foram a avaliação para decanulação, avaliação e cuidados com a pressão do cuff, em menor número o uso de técnicas específicas como a ventilação não invasiva (VNI), manobras desobstrutivas como o aumento do fluxo expiratório (AFE) e a vibrocompressão, e a avaliação da força muscular periférica.

DISCUSSÃO

Esta revisão sobre a atuação do fisioterapeuta no atendimento a portadores de traqueostomia mostra uma escassez de estudos que retratem especificamente a intervenção no público avaliado. A maioria dos estudos publicados sobre fisioterapia respiratória não apresentam na sua metodologia aplicações de técnicas específicas e a avaliação sobre a eficácia da mesmas em pacientes traqueostomizados, estes estudos são comumente realizados em pacientes que apresentam patologias e alterações no aparelho respiratório, mas que não chegam a utilizar cânulas de traqueostomia.

No presente estudo a intervenção mais destacada identificada na conduta do fisioterapeuta foi a participação e importância deste no processo de decanulação, em 50% dos artigos selecionados esta conduta foi identificada. Diversos autores apontam como fatores determinantes para a realização da decanulação o nível de consciência, a capacidade de tolerar a oclusão da cânula, a efetividade da tosse e o volume de secreções, estes critérios estão intimamente ligados na conduta do fisioterapeuta o que pode justificar a sua participação essencial durante todo o processo de decanulação (7).

A decanulação da TQT é o período em que o paciente passa da situação de dependência da cânula de traqueostomia para uma situação de independência, uma vez que as vias aéreas superiores apresentam condições respiratórias adequadas, com pouco ou nenhum suporte necessário, autores defendem que os fisioterapeutas participam da tomada de decisão do processo de decanulação, após consenso com uma equipe multidisciplinar. Para eles o fisioterapeuta exerce papel importante no processo de decanulação, porém é necessária cautela para a realização desse procedimento (8).

Estudo realizado em 2014 (4) aponta que o fisioterapeuta vem assumindo o papel de avaliar e estipular o procedimento de desmame da ventilação mecânica e decanulação da TQT, porém existem poucas publicações que estabeleçam critérios e rotinas da atuação do mesmo no processo de decanulação, sendo este processo mais eficaz quando há a participação da equipe multidisciplinar, este achado corrobora com o encontrado nesta revisão.

O déficit de força muscular periférica foi um dos fatores identificados como complicador do processo de decanulação, Estudo de 2011 (9) concluiu que o imobilismo e a fraqueza muscular esquelética são as complicações mais comuns encontradas nas UTIs, em especial em portadores de TQT. No ano seguinte outro estudo (10) apontou que a fraqueza muscular respiratória é frequente em pacientes em VM devido a discrepância entre a força muscular e a carga imposta ao sistema respiratório, o que leva a dificuldade no desmame, a necessidade de suporte ventilatório prolongado é uma causa que frequentemente leva a necessidade da realização da TQT.

Quanto aos cuidados com a pressão do cuff, a frequência resultante nesta pesquisa apontou a presença desta intervenção nas condutas do fisioterapeuta em 20% dos trabalhos analisados. É consenso na literatura que o valor de perfusão da mucosa traqueal situa-se entre 25 e 35 mmHg ou 20 e 30cmH2O. Em concordância, estudos afirmam que para que o paciente não sofra complicações da mucosa traqueal ou broncoaspiração torna-se necessário observar a pressão na parede lateral da traqueia, mantendo-as nos valores apontados, uma vez que pressões superiores a 30 cmH2O podem gerar lesões na parede da traqueia e pressões menores que 20cmH2O podem levar a broncoaspiração (11).

O III consenso de Ventilação Mecânica (12) preconiza que o fisioterapeuta intensivista, por participar ativamente da evolução clínica do paciente, é indispensável na manutenção e preservação da mecânica do sistema respiratório, desta forma em sua conduta faz-se necessário cuidados com o monitoramento da pressão do cuff, seja em tubos orotraqueais ou em cânula de traqueostomia.

30% dos estudos que compõem esta revisão utilizavam em seus protocolos diversas técnicas de fisioterapia utilizadas em pacientes traqueostomizados. Estudo desenvolvido em UTI apontou que a fisioterapia respiratória com técnicas como vibrocompressão e aspiração endotraqueal foi eficaz para a prevenção de pneumonia em pacientes sob ventilação mecânica, onde apenas 8% dos pacientes do grupo que recebeu a intervenção desenvolveram PAV contra 39% no grupo controle (13), o estudo em questão não avaliou pacientes traqueostomizados especificamente, mas sabe-se que as alterações no mecanismo de eliminação de secreções e de defesa da via aérea contra infecções fica alterada neste público.

CONCLUSÃO

A atuação do fisioterapeuta no atendimento ao portador de traqueostomia é de extrema importância, uma vez que estes pacientes demandam de muitos cuidados que garantam a perviedade de via aérea. Um dos principais pilares do atendimento a este público de pacientes se faz na necessidade de um procedimento de decanulação o mais rápido possível e de forma segura, para que isto seja alcançado o fisioterapeuta deve atuar durante todo o processo aliando seus conhecimentos aos da equipe multiprofissional.

Conclui-se ainda que poucos estudos apresentam na sua metodologia aplicações de técnicas fisioterapêuticas específicas e a avaliação sobre a eficácia das mesmas em pacientes traqueostomizados, desta forma sugere-se que mais pesquisas sejam realizadas nesta temática.

 

REFERÊNCIAS

1. GOMES, R. H. S; SANTOS, R. S. Avaliação da capacidade e comprometimento funcional em pacientes traqueotomizados de um hospital público de Curitiba. Rev. CEFAC. 2016. Jan-Fev; 18(1):120-128.

2. BARBAS C.S.; ÍSOLA A.M.; FARIAS A.M. et al. Recomendações brasileiras de ventilação mecânica. Rev Bras Ter Intensiva. 2014;26(2):89-121.

3. MARSICO P.S.; MARSICO G.A.; Traqueostomia. Pulmão. RJ 2010;19 (1-2):24-32.

4. PEREIRA, E. A atuação do fisioterapeuta no processo de decanulação da traqueostomia em pacientes críticos: Revisão de Literatura, 14 páginas. Trabalho de Conclusão de Curso. Programa de Pós Graduação Lato Sensu em Fisioterapia em Terapia Intensiva – Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF, 2014.

5. COIMBRA, K.; XAVIER, P.; OLIVEIRA, M. S. Abordagem Fisioterapêutica no Portador de Traqueostomia – Revisão de Literatura. Revista Saúde Física e Mental, v. 1, n. 1, 2012.

6. Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Disponível em: Link. Acesso em 02/11/2017.

7. TEIXEIRA, K.K.R.; SANTOS, C. R. R. E.; BADARÓ, R. R. Abordagem do paciente traqueostomizado no processo de desmame e decanulação. Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva – SOBRATI, Brasilia, 2014. Disponível em: Link Acesso em: 11/11/17.

8. TEIXEIRA, K.K.R.; SANTOS, C. R. R. E.; BADARÓ, R. R. Abordagem do paciente traqueostomizado no processo de desmame e decanulação. Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva – SOBRATI, Brasilia, 2014. Disponível em: Link Acesso em: 11/11/17.

9. MENDES, F.; RANEA, P.; OLIVEIRA, A. C. T. de. Protocolo de desmame e decanulação de traqueostomia. Revista UNILUS Ensino e Pesquisa, v. 10, n. 20, jul./set. 2013. 2318-2083.

10. LIMA C.A.; SIQUEIRA T.B.; TRAVASSOS E.F. et al. Influência da força da musculatura periférica no sucesso da decanulação. Rev Bras Ter intensiva. 2011;23(1):56-61.

11. FRANÇA, E.E.T; FERRARI F.; FERNANDES P. et al. Fisioterapia em pacientes críticos adultos: recomendações do Departamento de Fisioterapia da Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Rev Bras Ter Intensiva. 2012; 24(1):6-22.

12. PENITENTI, R.M.; VILCHES, J.I.G.; OLIVEIRA, J.S.C., et al. Controle da pressão do cuff na unidade terapia intensiva: efeitos do treinamento. Rev Bras Ter Intensiva. 2010; 22(2):192-195.

12. III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica. Jornal Brasileiro de Pneumologia. Disponível em: Link Acesso em 02/11/2017.

13. JERRE, G. et al. Fisioterapia no paciente sob ventilação mecânica. J. bras. pneumol. [online]. 2007, vol.33, suppl.2, pp.142-150. ISSN 1806-3713. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132007000800010.

 

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